Gostou do artigo? Compartilhe!

Adesão inicial ao tratamento de adolescentes obesos em programas de redução de peso

A+ A- Alterar tamanho da letra
Avalie este artigo

 

Maria Aparecida VieiraI; Renata Dornas AtihêII; Rita de Cássia SoaresII; Durval DamianiIII; Nuvarte SetianIV

Divisão de Nutrição e Unidade de Endocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
INutricionista. Divisão de Nutrição do ICr HC FMUSP
IIMédica Pediatra da Unidade de Endocrinologia Pediátrica do ICr HC FMUSP
IIILivre Docente de Pediatria - FMUSP. Médico Assistente da Unidade de Endocrinologia Pediátrica do ICr HC FMUSP
IVProfessora Associada do Departamento de Pediatria da FMUSP. Chefe da Unidade de Endocrinologia Pediátrica do ICr HC FMUSP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: avaliar a adesão às orientações iniciais quanto à alimentação, práticas alimentares e atividade física de adolescentes acompanhados em ambulatório de obesidade, que tiveram redução de peso. 
MÉTODOS:
 foram estudados 75 adolescentes obesos (43 do sexo masculino e 32 do sexo feminino), com idades de 10 a 18 anos (média -12,15 anos) que receberam orientação quanto ao conteúdo e composição alimentares, práticas alimentares e atividades físicas. Após um mês, no primeiro retorno, foi aplicado um questionário para avaliar a adesão às orientações dadas, classificando-se o critério de adesão em mau (1 a 4 das recomendações seguidas), regular (5 a 7) ou bom (8 ou 9).
RESULTADOS: nenhum dos pacientes seguiu todas as orientações, apesar de todo o grupo ter tido alguma perda de peso ao final de um mês. Tiveram má adesão 22,7% dos pacientes, regular 48% e boa 29,3%.
CONCLUSÕES: mesmo em um período inicial, onde se supõe que o interesse em perder peso seja grande, a maior parte dos pacientes não segue as recomendações indicadas pela equipe de saúde.

Descritores: Obesidade. Perda de peso. Hábitos alimentares. Adolescente.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to evaluate compliance with initial orientation regarding food intake, eating behavior, and physical activity among adolescents who lost weight that were followed-up in an obesity clinic. 
METHODS:
 75 obese adolescents (43 males, 32 females), ages 10 to 18 years (mean - 12.15 yr) were counseled regarding food intake, eating behavior, and physical activity. At the first return, after one month, they completed a questionnaire to verify compliance with the initial orientation. The compliance was rated as poor (1 to 4 orientations adhered to), regular (5 to 7) or good (8 or 9).
RESULTS: none followed all the recommendations, despite which all patients achieved some weight loss by the end of the first month. Poor compliance was observed in 22.7%, regular in 48%, and good in 29.3%. 
CONCLUSIONS:
 even in the initial period, when the patients are supposedly very motivated to lose weight, the majority failed to comply with the recommendations indicated by the health team.

Keywords: Obesity. Weight loss. Food Habits. Adolescent.


RESUMEN

OBJETIVO: evaluar la adhesión a las orientaciones iniciales cuanto a la alimentación, practicas alimentares y actividad física de adolescentes acompañados en ambulatorio de obesidad, que tuvieron reducción del peso.
MÉTODOS: fueron estudiados 75 adolescentes obesos (43 de sexo masculino y 32 de sexo femenino), con edades de 10 a 18 años (media -12,15 años) que recibieron orientación cuanto al contenido y composición alimentares, prácticas alimentares y actividades físicas. Después de un mes, en el primer retorno, fue aplicado un cuestionario para evaluar la adhesión a las orientaciones dadas, clasificándose el criterio de adhesión en malo (1 a 4 recomendaciones seguidas), regular (5 a 7) y bueno (8 a 9).
RESULTADOS: ninguno de los pacientes siguió todas las orientaciones, a pesar de todo el grupo haber tenido alguna perdida de peso al final del mes. Tuvieron una mala adhesión 22,7% de los pacientes, regular 48% y buena 29,3%.
CONCLUSIONES: mismo en un período inicial, donde se supone que el interés en perder peso sea grande, la mayor parte de los pacientes no sigue las recomendaciones indicadas por el equipo de salud.

Palabras-clave: Obesidad. Perdida de peso. Hábitos alimenticíos. Adolescente.


 

 

Introdução

A obesidade traz aos adolescentes prejuízos na auto-imagem e profundas repercussões psicossociais, especialmente graves por ser a adolescência uma fase de transição e mudanças corporais.

São apontadas como as principais causas da obesidade as dietas com teores elevados em calorias, aliadas a um estilo de vida sedentário1-3. Em muitos casos, o adolescente obeso adquiriu hábitos alimentares inadequados na infância, comendo enquanto assiste à televisão. Acaba por sentir necessidade de comer fora dos horários das refeições4. Há perda da disciplina e do padrão alimentar estabelecido5, omitindo ou substituindo refeições por lanches. De fato, em importante revisão da literatura, Coon e Tucker6 verificaram associação direta entre o tempo de assistir televisão com maior ingestão de alimentos calóricos, bebidas carbonatadas (veiculadas pela própria mídia televisiva) e baixa ingestão de frutas e hortaliças.

Considerando os fatores implicados, o tratamento da obesidade deve objetivar modificar hábitos alimentares e o estilo de vida do adolescente. Várias estratégias têm sido utilizadas para favorecer as mudanças de hábitos alimentares e o modo de vida do paciente, inclusive com o envolvimento da família4,7-10. Como estratégia geral, estimula-se e motiva-se o adolescente e familiares às mudanças de comportamento. Ao se orientar a dieta, é determinado o horário e o tipo de refeição, evitando omitir refeições ou substituí-las por lanches, para disciplinar o ato alimentar. A administração alimentar envolve o ambiente em que se come e a maneira como se faz. Portanto, recomenda-se comer devagar, em local calmo, sem realizar outras atividades simultaneamente, como ler ou assistir à televisão. Por outro lado, a atividade física é estimulada, objetivando aumentar o gasto energético.

Em vários estudos observou-se a falta de adesão ao tratamento por parte dos adolescentes e de suas famílias2,7,8,10. Isto resultou em 30% a 80% de fracasso terapêutico imediato. Muitos pacientes relatam o abandono do tratamento, enquanto outros negam, mas os parâmetros clínicos e laboratoriais mostram que não está havendo adesão adequada às propostas terapêuticas. São escassos, na literatura, os estudos que abordam a adesão às orientações utilizadas durante o tratamento, principalmente em adolescentes. A má adesão, desde o início do tratamento, pode facilitar a compreensão de um outro problema, a dificuldade na manutenção do peso, após a redução inicial. Menos de 5% dos adolescentes que perdem peso conseguem mantê-lo após cinco anos. Várias estratégias têm sido utilizadas, com pouco sucesso7,8,10.

O presente estudo avaliou a adesão de adolescentes obesos que perderam peso às orientações iniciais, quanto ao padrão alimentar, administração alimentar e atividade física. Isto teve como objetivo aprimorar a abordagem inicial e evolutiva aos pacientes.

 

Métodos

Realizou-se um estudo prospectivo de coorte em que foram selecionados adolescentes obesos na faixa etária de 10 a 18 anos que iniciaram o tratamento e conseguiram perder peso no primeiro mês. O estudo foi realizado na Unidade de Endocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança do HCFMUSP, no período de março a dezembro de 2002.

O objetivo foi avaliar a adesão dos adolescentes às orientações dadas. Após um mês de tratamento, aplicou-se um questionário, investigando o seguimento às orientações quanto à alimentação, estilo de vida e atividade física.

No primeiro atendimento, o paciente e a mãe ou responsável foram orientados pelos médicos, quanto à alimentação, conforme protocolo pré-estabelecido pela Unidade de Endocrinologia. Os pacientes e os responsáveis receberam um impresso com a dieta e as orientações nutricionais.

A orientação inicial consistia de uma dieta hipocalórica, onde as quantidades de frutas e hortaliças eram liberadas e solicitava-se aos pacientes que sempre iniciassem suas refeições principais com salada. Era contra-indicado: o consumo de alimentos e preparações entre as refeições, repetir refeição, aumentar a quantidade, e permanecer em jejum prolongado. Quanto à administração alimentar, enfatizou-se a necessidade de um local isolado para fazer as refeições, sem televisão ou leitura. A ingestão de pequenas quantidades de alimento através do uso de talher pequeno, para estimular a mastigação lenta, também foi sugerido. Quanto à atividade física, foram orientados para que praticassem esportes e/ou fizessem caminhadas todos os dias.

Foi verificado o comportamento das famílias quanto à modificação dos hábitos, da aquisição e de preparo dos alimentos. Quanto à aquisição dos alimentos foram sugeridos alimentos reguladores (frutas e hortaliças/legumes), com disponibilidade para a semana, com diminuição/substituição de alimentos mais calóricos, principalmente os embutidos, doces e tubérculos. Foi avaliada a oferta: da carne assada, cozida ou grelhada; de hortaliça, em saladas ou refogadas sem molho gorduroso; e de frutas (em substituição aos doces).

Na tabela 1 encontram-se as 9 questões aplicadas no retorno do paciente, após 1 mês, relativas às orientações iniciais. As questões foram feitas por nutricionista. Aquelas relativas à aquisição e preparo de alimentos foram respondidas pela mãe ou responsável pelo adolescente, e as demais pelos próprios pacientes.

Para avaliar a adesão inicial às orientações dadas, foi estabelecido o critério de bom, regular e mau em relação às respostas às 9 questões/orientações realizadas pelos pacientes. Foi considerado como bom quando o paciente seguiu 8 ou 9 orientações, como regular, de 5 a 7 e mau, 4 ou menos.

 

Resultados

Foram 79 os pacientes que perderam peso no período do estudo, ao retornar após um mês de tratamento. Foram excluídos quatro pacientes que não responderam a todas as questões do questionário. Dos 75 pacientes, 43 (57,3%) eram do sexo masculino, com média de 11,9 anos, e 32 (42,7%), do feminino, com média de 12,1 anos.

Os resultados quanto à adesão dos pacientes às orientações, no retorno ambulatorial, estão contidos na tabela 2. Somente 22 (29,3%) pacientes tiveram boa adesão. Nenhum paciente conseguiu realizar todas as orientações dadas.

Os resultados relativos à sensação de fome no período estão contidos na tabela 3. Trinta e sete pacientes (49%) não sentiram fome e, dentre aqueles que tiveram fome, aproximadamente a metade referiu-se à pouca quantidade de alimento.

Os resultados da tabela 4 detalham as respostas às questões de número 2 a 8 do questionário. Mostram a adesão às orientações dadas quanto às restrições, administração e técnica alimentares, além do comportamento de aquisição e do preparo alimentar familiar. Grande parte dos responsáveis não alteraram a compra e preparo dos alimentos (questões 7 e 8). Os adolescentes, na maior parte, passaram a não repetir a comida, porém não seguiram várias das orientações, inclusive relativa à quantidade.

Quanto à atividade física, questão 9 do questionário, foi incluída na rotina de 54 (72%) adolescentes, sendo que dentre estes, 20 (37%) praticaram exercícios duas a três vezes por semana (tabela 5). Não foi considerada a atividade física escolar, pré-existente ao protocolo.

 

 

Discussão

A adoção de dieta hipocalórica e atividade física no tratamento da obesidade são importantes4,10-12. Novas práticas alimentares são sugeridas, assim como a mudança de estilo de vida para obter a redução do peso. O suporte familiar, no caso de crianças e adolescentes, é fundamental e pode modificar a qualidade de vida desses pacientes4,10,12.

O presente estudo indica que 77,3% dos adolescentes que conseguiram redução de peso tiveram de regular a boa adesão às orientações do tratamento. É difícil comparar esse resultado na literatura, pois são pouco avaliadas as práticas alimentares dos adolescentes obesos em início de tratamento13. Tershakovec & Kuppler14 em um estudo, avaliaram o abandono do tratamento de crianças e adolescentes obesos. Cerca de metade dos pacientes nem retornou para dar continuidade ao programa. Horn et al.15, avaliando a adesão às recomendações dietéticas, em adultos com fatores de risco para doença cardiovascular, observaram que apenas 40 a 65% dos participantes tiveram boa ou excelente adesão. Outros autores relataram que até 75% dos pacientes adultos não seguem as recomendações médicas relacionadas à mudança no estilo de vida, como restrições alimentares. A baixa adesão dos pacientes continua sendo um desafio2,10,13 .

Com relação às restrições alimentares sugeridas, 49% dos adolescentes do estudo não ficaram satisfeitos com a quantidade determinada, corroborando a noção de que o adolescente obeso tem o hábito de consumir alimentos com altos teores calóricos ao longo do dia. A disciplina a que foram submetidos pode ajudar a controlar o comportamento alimentar, mas, como se observou, a alteração comportamental pode ser parcial, mesmo em pacientes que conseguem perder peso.

O comportamento nas sociedades urbanas aumentou a prevalência da obesidade. Estudos epidemiológicos têm relacionado o sedentarismo e o hábito de assistir à televisão, com a ingestão de alimentos altamente calóricos, bebidas carbonatadas, e reduzido consumo de hortaliças e frutas4,11,12,16,17. Em nosso estudo, apesar da orientação inicial, 36% dos adolescentes faziam as refeições enquanto assistiam à televisão, 48% não iniciavam as refeições com a salada e 28% não realizavam atividade física. Lowry et al.17, analisaram o comportamento de risco para obesidade em adolescentes norte-americanos (31% da amostra). Verificaram que 43% assistiam mais de duas horas/dia de televisão; a maior parte não participava de atividades físicas e comia menos frutas e vegetais. Proctor et al.18, estudaram longitudinalmente um grupo de pré-escolares até o início da puberdade, e verificaram que, durante a infância, aqueles que assistiram mais à televisão ganharam mais massa gorda do que magra ao longo do tempo.

As mudanças nos hábitos alimentares e no estilo de vida exigem tempo e dedicação tanto da equipe como de quem está sendo tratado. No intervalo de tempo do estudo, muitos pacientes tiveram dificuldade em mudar o modo de vida e alimentação, o que pode contribuir para o posterior abandono do tratamento, mesmo tendo perdido peso na fase inicial. Muitas das famílias não colaboraram, como é reconhecido5.

 

Conclusões

Embora um grupo de adolescentes tenha conseguido redução de peso, a adesão às orientações dadas não foi plenamente seguida. Estes dados podem ser um alerta na assistência ao obeso, pois a inobservância a hábitos alimentares adequados e à mudança no comportamento pode ocasionar recaídas ou abandono do tratamento, posteriormente.

 

Referências

1. Wang Y, Monteiro C, Popkin BM. Trends of obesity and underweight in older children and adolescents in the United States, Brazil, China and Russia. Am J Clin Nutr 2002;75:971-7.

2. Muller RCL. Obesidade na adolescência. Pediatr Mod 2001;37:45-8.

3. Balan G, Silva GAP, Motta MEFA. Prevalência de sobrepeso e obesidade em escolares de diferentes classes socioeconômicas em Recife, PE. Pediatria (São Paulo) 2001;23:285-9.

4. Berkowitz R. Obesity in childhood and adolescence. In: Walker W, Watkins JB Nutrition in pediatrics. 2nd ed. London: Decker; 1997. p716-23.

5. Samuelson G. Dietary habits and nutritional status in adolescents over Europe. An overview of current studies in the Nordic countries. Eur J Clin Nutr 2000;54(Suppl1):S21-8.

6. Coon KA, Tucker KL. Television and children's consuption patterns. A review of the literature. Minerva Pediatr 2002;54:423-36.

7. Coates TJ, Thoresen CE. Treating obesity in children and adolescents: a review. AJPH 1978;68:143-51.

8. Pi-Sunyer FX. Obesidade. In: Shils ME, Olson JA, Shike M, Ross AC, editores. Tratado de nutrição moderna na saúde e na doença. São Paulo: Manole; 2003. p.1508-11.

9. Jonides LJ, Buschbacher V, Barlow SE. Management of child and adolescent obesity: psychological, emotional, and behavioral assessment. Pediatrics 2002;110:215-21.

10. Nestle M. Nutrition in clinical pratice. California: Jones Medical Publications;1985. p.222-31:Obesity.

11. Jiménez-Cruz A, Barcadí-Gascón M, Jones EG. Consumption of fruits, vegetables, soft drinks, and high-fat-containing snacks among mexican children on the Mexico-U.S. border. Arch Med Res 2002;33:74-80.

12. Temboury Molina MC, Sacritan Martin A, San Frutos Fernandez M, Rodriguez Alfaro F, Llrente Gonzalez R. Preliminary results of a therapeutic program for childhood obesity in primary health care. An Esp Pediatr 1993;38:413-6.

13. Assis MAA, Nahas MV. Aspectos motivacionais em programas de mudança de comportamento alimentar. Rev Nutr 1999;12:33-41.

14. Tershakovec AM, Kuppler K. Ethicity, insurance type, and follow-up in a pediatric weighy management program. Obes Res 2003;11:17-20.

15. Horn LVV, Dolecek TA, Grandits GA, Skweres L. Adherence to dietary recommendations in the special intervention group in the Multiple Risk Factor Intervention Trial. Am J Clin Nut 1997;65(Suppl):289S-304S.

16. Andersen RE, Crespo CJ, Bartiett SJ, Cheskin LJ, Pratt M. Relationship of physical activity and television watching with body weight and level of fatness among children. JAMA 1998;279:938-44.

17. Lowry R, Weschsler H, Galuska DA, Fulton JE, Kann L. Television viewing and its associations with overweight sedentary lifestyle, and insufficient consuption of fruits and vegetables among US high students: diferences by race, ethnicity, and gender. J Sch Health 2002;72:413-21.

18. Proctor MH, Moore LL, Gao D, Cupples LA, Bradlee ML, Hood MY, et al. Television viewing and change in body fat from preschool to early adolescence: The Framingham Children's Study. Int J Obes 2003;27:827-33.

 

Autor

Dra Renata Atihe

Dra Renata Atihe

Endocrinologia Pediátrica

Especialização em Endocrinologia Pediatrica no(a) Instituto da Criança- Hc- Sp.